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Nos meus tempos de guri





Nos meus tempos de guri, tudo era muito diferente em minha cidade natal, Santa Cruz, no coração do Rio Grande do Sul. E alguns detalhes daqueles tempos só permaneceram vivos nas mentes de alguns de nós. A começar pelas ruas, onde calçamento, existia somente nas ruas mais centrais da cidade e os postes de iluminações públicas, curiosamente eram posicionados no meio delas. O transito de automóveis era mínimo, muito pequeno mesmo, mesclado com o movimento de carroças, charretes e cavaleiros montados em seus cavalos. Estas ruas eram vias de mãos duplas e sobravam, diferentemente dos dias de hoje, muitas e muitas vagas para estacionar em qualquer dia, hora ou lugar.


A rua São José, naqueles tempos, era a última rua da cidade na direção oeste, desde o Esporte Clube Avenida até a entrada da "Vila Schulz". Depois da São José, neste trecho não existiam ruas, só haviam plantações e matas até as margens do Rio Pardinho (Rio Bom Jesus), onde caçávamos com bodoques (fundas), com gaiolas e jogávamos umas linhas de pescas nos riachos e no próprio, já mencionado Rio...


Já as ruas que não eram pavimentadas recebiam o trabalho de máquinas niveladoras e de um rolo compressor, serviço este realizado seguidamente por funcionários da prefeitura para dar um melhor aspecto à cidade, uma vez que as pessoas igualmente já primavam pelo embelezamento e conservação de ruas, casas e jardins, costume aliás, mantido até hoje, mas é claro que de uma forma mais discreta, mas não menos bonitas, como podemos ver nos bairros onde há terrenos com mais espaços. 


   Lembro que a maioria das pessoas da pequena Santa Cruz, entre si se conheciam e isto ficava evidente sempre que passeávamos pelo centro da cidade, ao frequentarmos os cinemas, praças ou as igrejas nas missas dominicais. 


   Naqueles tempos as lojas, bazares e alfaiatarias, o comércio em si se instalava na área mais central da cidade, ficando para a periferia, as instalações de açougues e armazéns. Os mais antigos devem lembrar igualmente da existência de cooperativas, como a da Cia de Fumos Santa Cruz e do DAER, onde os funcionários faziam as compras dos demais gêneros alimentícios, uma vez que supermercados naquela época ainda não existiam. 


   As pessoas de um modo em geral se ocupavam com o trabalho e os estudos durante a semana. Já as diversões dos finais de semana ficavam por conta dos cinemas, bailes, quermesses, o futebol entre amigos e os inesquecíveis confrontos entre as equipes de futebol da cidade, o Avenida e o Santa Cruz e no basquete e voleibol entre a Ginástica e o Corinthians.   


  Na cidade existiam igualmente duas grandes casas cinematográficas, o Cine Teatro Apolo e o Cine Vitória. Estes cinemas eram muito frequentados nas sextas-feiras, nos sábados e domingos à noite pelos adultos e nos domingos à tarde, por adolescentes e crianças. Nestas matinês, os meninos aproveitavam para, além de dar aquela paquerada nas meninas, trocar (Gibis) revistas em quadrinhos como: Zorro e Tio Patinhas, Homem Fantasma, Super-homem entre outros tantos da época. Nestes locais, se podia ver a interação de jovens de todas as classes sociais, onde seguramente surgiram amizades e até mesmo casamentos que se eternizaram e que perduram em nossa sociedade até hoje.


Frequentemente à cidade recebia a visita de circos e parques de diversões, ampliando assim as opções de lazer da população santa-cruzense o que tornava a cidade ainda mais interessante e alegre.


Já nas manhãs de domingo, após pais e filhos retornarem das missas ou cultos, via-se muitos deles jogando clicas (bolitas, bola de gude...) em frente as suas casas ou futebol nos campinhos existentes nos terrenos baldios, enquanto as meninas brincavam de bonecas, de roda cutia, pular sapata e outras brincadeiras do gênero. 


   Ah! Naquelas noites quentes de verão, a alegria era visível de pais, mães e filhos brincando de pega-pega, esconde-esconde, chicote queimado, entre outros tantos ou simplesmente sentados em suas cadeiras de preguiça em frentes as suas casas, por vezes na beira da rua, logo após as sarjetas (valas onde corria a água das chuvas, onde não havia canalizações), interagindo com a criançada e os vizinhos, enquanto se batiam com folhas de cinamomos, para espantar os mosquitos. 


   Os pais, sem dúvida alguma, nos meus tempos de guri, participavam bem mais das vidas dos filhos porque o ritmo de tudo era outro e não existia a tecnologia nem a correria atual. Contudo, felizmente ainda hoje algumas famílias ainda conseguem cultivar alguns destes costumes. Isto fica evidenciado nos finais de tarde de domingos, na grande multidão que se aglomera na Praça da Bandeira para tomar seu chimarrão, botar os papos em dia e brincar com seus filhos junto à natureza que ali ainda se preserva. Devo confessar que esta prática saudável de se reunir espontaneamente, muito me conforta e me faz pensar que nem tudo se perdeu com o tempo e que existe sim, uma luz no fim do túnel...   


   Mas voltando aos meus tempos de guri, com satisfação recordo que em 1966, tivemos o lançamento da 1ª Festa Nacional do Fumo, que sem dúvida alguma, contribuiu e muito para o desenvolvimento da cidade, uma vez que proporcionou a divulgação do potencial de Santa Cruz do Sul e região a nível nacional. Inclusive aquele ano foi para mim especial e inesquecível, uma vez que tive a oportunidade me apresentar numa das atividades culturais da FENAF, juntamente com demais alunos, pois fazia parte do "Orfeão do Goiás", colégio estadual que existe até hoje, no Bairro de mesmo nome.


    A FENAF, que era realizada de quatro em quatro anos, foi substituída em 1984 pela Oktoberfest, a atual festa da alegria que ocorre todos os anos e que tanto encanta aos visitantes e orgulha a população.

   Às vezes ao olhar para trás, sinto saudades daqueles tempos de guri, que certamente não voltam mais, mas, no entanto reconheço o quanto foi necessário todo o desenvolvimento alcançado até os dias de hoje. Lamentando apenas que junto com ele (desenvolvimento), tenha vindo à epidemia das drogas e toda a violência que dela decorre, assim como a ganância desenfreada de muitas pessoas por poder, status e dinheiro, onde o “ter” tornou-se mais importante do que o “ser”.


   Finalizo, para não me alongar por demais, sendo que assunto não me faltaria para tal, ressaltando com orgulho o esforço de todas as pessoas, que através do suor de seus rostos, advindo do trabalho incansável deste povo perseverante, conseguiram transformar aquela pequena cidade do interior dos meus tempos de guri, neste grande polo de desenvolvimento regional que é hoje Santa Cruz do Sul do meu querido Estado Gaúcho, o Rio Grande do Sul.


Texto de: Walter Luiz Ferreira – Tecnólogo em Segurança Pública


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